quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Liberdade aos Piores de Belô

Pichações em BH

Alguém concorda com a pichação dos muros e monumentos de nossa cidade? Claro que não. Todos nós desejamos e trabalhamos por uma BH mais bonita e com mais qualidade de vida. Para enfrentar o problema, a Prefeitura de Belo Horizonte criou, em 2009, a força multidisciplinar “Movimento Respeito por BH”, que envolve também as polícias Militar e Civil e o Ministério Público Estadual. Até agosto, foram detidos 257 pichadores. A suspeita de um equívoco já começa no nome adotado para uma das estratégias de combate à pichação — “Repressão qualificada”. O termo, com conotações claramente militares e que me remete há tempos ruins na história de nossa cidade, consiste de videomonitoramento, denúncias anônimas e investigações na internet. Nossa polícia mudou muito e a vigilância é positiva. Todavia, buscar penas mais severas para os transgressores reaviva um ardor autoritário, que não pode ser tolerado.

As punições previstas no artigo 65 da Lei de Crime Ambiental parecem suficientes para desmotivar os pichadores e os vândalos urbanos: multa e medidas educativas, geralmente convertidas em prestação de serviços gratuitos à comunidade e a repintagem do local pichado. No entanto, no entendimento de nossa força de “repressão qualificada”, é necessário tipificar a pichação também no crime de formação de quadrilha, o que permitiu a prisão preventiva de membros de um grupo, agora trancafiados com assassinos, traficantes e ladrões. Tratado como “perigoso marginal”, o pichador pode até vir a sê-lo depois dessa medida draconiana. E se enganam ainda os que acreditam que a severidade punitiva pode desmotivar os pichadores.  Ao contrário, pode até estimulá-los, pois as pulsões de maior visibilidade social e de simples descarga de adrenalina são transgressões sociais próprias da juventude. Assim, o aumento das penas representa um prêmio ainda mais desejado por quem aspira deixar a sua marca em alguma propriedade alheia.

Outro engano é justificar os gastos anuais de R$ 2 milhões com reparos de equipamentos públicos depredados, em que se “incluem as pichações”, para gastar outros tantos milhares de reais numa parceria para criar uma delegacia especializada em pichação, com uma equipe própria de policiais. Reafirmo que a execução do moto perpétuo do “vigiar e punir” retira de cartaz a ousada harmonia do “prevenir” soante nas administrações anteriores.  Um desses programas foi o Projeto Guernica, iniciativa da gestão Célio de Castro com o objetivo de motivar os jovens pichadores a abandonar as práticas transgressoras, por meio do estabelecimento de novos laços sociais, respeito ao patrimônio e a profissionalização artística. O Guernica era coordenado por dois psicanalistas e um engenheiro e tinha uma equipe de arte-educadores, artistas plásticos e monitores de arte e de grafite.

Ao entender que a pichação é um fenômeno mundial que toma indistintamente bairros abastados e periferia e que abordagens repressivas sempre culminam em fracasso, a PBH iniciou um diálogo com os pichadores que implicou profissionalização. Os antigos transgressores tornaram-se grafiteiros profissionais, muitos deles contratados por grupos de renome como o Galpão ou conquistando um trabalho artístico reconhecido em projetos sociais e até em universidades. Os princípios humanistas da tolerância e do respeito à diversidade presentes em todas as políticas públicas devem prescindir qualquer iniciativa repressora, por mais qualificada que seja. Invés da tentativa inócua de erradicar a pichação em BH, nossa prefeitura deveria estar empenhada em ressuscitar o Guernica ou em criar um programa semelhante, aplicando o mesmo volume de recursos que pretende destinar a inédita delegacia especializada em pichações.  Vale sensibilizar as autoridades responsáveis pelo “Movimento Respeito por BH” no sentido de libertarem imediatamente os jovens pichadores que estão nas celas do Ceresp da Gameleira e encontrar alternativas mais adequadas de diálogo.  Já foi o tempo em que tratávamos a livre expressão dos jovens e as pinturas nos muros com o cassetete e a violência. Da mesma forma que ocorreu com os atos institucionais na época da Ditadura Militar, a Copa de 2014 não pode servir para que libertemos o lobo que existe dentro de cada um de nós.

Vereador Arnaldo Godoy (PT-BH)
Publicado na página Opinião do Estado de Minas (12 out 10)